"NO PRINCÍPIO CRIOU DEUS... O CASAMENTO!"
30/01/2011
Marcelo Gomes
Marcelo Gomes
A narrativa fundamental que institui o que, hoje, chamamos “casamento” é a que trata da criação do homem e da mulher (Gênesis 2:18-25). Sua importância e profundidade acentuam-se numa comparação simples com o relato da criação como um todo (Gênesis 1:1 a 2:4). Neste, uma espécie de ritmo é estabelecido – como que um refrão, repetido ao final de cada estrofe: “viu Deus que era bom” (1:4, 10, 12, 18, 21, 25, 31). Naquela, o ritmo é abruptamente quebrado: “Não é bom que o homem esteja só” (2:18). De repente, algo na criação destoa do restante; não está bom.
Explico: Deus viu que a luz era boa. Viu que a separação entre terra e águas era boa. Viu que a produção da terra era boa. Viu que a existência de luminares, um para o dia e outro para a noite, era boa. Viu que a presença das mais variadas espécies animais era boa. Viu que tudo quanto havia feito era muito bom. Mas naquele espaço de tempo entre a criação do homem e a criação da mulher, identificou algo que não era bom: a existência solitária do homem. Essa é a “quebra de ritmo” da narrativa, como se o texto quisesse chamar nossa atenção.
Pergunta: em que, exatamente, Deus se baseou para avaliar negativamente um dos aspectos de sua obra? Que critérios tomou por base para dizer: “não é bom”? Seria a simples necessidade do homem? Estaria carente? Reclamava companhia? Precisava de ajuda para cumprir suas responsabilidades junto ao Criador? O texto não parece permitir esta interpretação.
Observe atentamente o modo como Deus expressou sua decisão de criar o ser humano: “Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança” (1:26). Nela descobrimos duas verdades importantes: 1) o ser humano seria um reflexo da presença do Criador na criação; e 2) Deus não estava sozinho quando criou o universo. “Façamos”, ele disse. E esta palavra nos revela sua existência comunitária.
A primeira verdade, então, estabelece o propósito geral da vida: refletir a imagem de Deus e revelar sua presença majestosa no contexto da criação. Esta é a dignidade do ser humano e o paradigma para a compreensão geral de suas obrigações éticas: sua existência é uma declaração da glória de Deus para toda a natureza. E o mesmo vale para o homem e para a mulher, pois “homem e mulher os criou” (1:27).
A segunda verdade, por sua vez, nos convida a perceber que esta presença divina não é individual, mas comunitária. Deus não subsiste solitariamente em sua eternidade, mas nas pessoas igualmente divinas do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Este, segundo o livro de Gênesis, “pairava” sobre a face das águas quando o mundo foi criado (1:2). O filho, conforme nos revela o Evangelho, também estava presente e era a própria Palavra criadora (João 1:1-18). O Pai, unido ao Filho e ao Espírito numa perfeita comunhão, como uma família trinitária, decidiu criar um ser humano cuja existência revelasse sua própria imagem.
Por isso, a existência do ser humano tinha que ser comunitária, nos moldes da existência divina. Se todas as suas possibilidades de relacionamento se resumissem a Deus, desfrutaria de uma comunhão maravilhosa, sem dúvida, mas desigual: criatura e Criador. Não seria uma imagem exata, porque Deus é uma comunhão entre iguais: Deus-Pai, Deus-Filho, Deus-Espírito. Se o homem tivesse uma companheira, também poderia desfrutar de um relacionamento entre iguais e expressar, plenamente, a semelhança do seu Criador.
Portanto, quando Deus, finalmente, fez a mulher e a apresentou ao homem, estava promovendo-o ao mais alto nível de sua existência na Terra, pois concedeu-lhe a oportunidade de conviver com uma auxiliadora que lhe correspondia e, assim, formar uma família. O homem, que gratuitamente recebeu a vida de Deus, agora, pela união com sua mulher, também se tornava gerador de vida. “Multiplicai-vos” – disse o Senhor.
Descobrimos, com isto, que a família não surgiu simplesmente e tão somente como uma ideia criativa de Deus, mas especialmente como um modo de revelar sua identidade e expressar seu amor em toda a criação. O casamento é muito mais que uma união entre um homem e uma mulher (e os filhos): é a experiência mais próxima da própria vida de um Deus que, em si mesmo, também é uma família. E sua essência é AMOR.